No primeiro post do Diário de leitura de Graça Infinita, em julho, eu estava na página 143. No dia 19 desse mês, exatamente às 21h da noite, eu terminei de ler o livro. Desde então estou assim: por onde começar a escrever sobre ele?
Poderia dizer que é um dos melhores livros que já li na vida? Poderia. Poderia dizer que ri e chorei enquanto lia? Poderia. Que David Foster Wallace tinha uma mente brilhante? Que ele conseguiu prever algumas coisas na década de 90 que estão acontecendo hoje? Que os personagens são excêntrico porém muito reais? Poderia. Poderia falar um monte de coisas. Então resolvi que vou mais fazer um registro da minha experiência de ter lido esse livro do que uma resenha em si (até porque eu não conseguiria fazer uma resenha).
Vou começar dizendo que acabei de acabar de ler, mas já estou pronta pra ler de novo. Na verdade, a única coisa que eu quis fazer quando terminei, foi começar novamente. É irresistível. Já relemos algumas coisas (Dudu também terminou a leitura), mas não vou encarar tudo de novo agora. Acho que vou marcar uma data pra reler.

É engraçado porque geralmente nos interessamos por um livro por causa de sua história ou do tema ou do autor… mas eu sabia muito pouco sobre o Graça e não lembro direito os motivos pelos quais resolvi comprá-lo. E quando ele chegou em casa e meu namorado começou a ler ele me disse: não leia a sinopse que está na contracapa. E não li. Então foi tudo meio às cegas. Por causa disso, estou meio travada pra escrever aqui. Não gostaria de dar mais informações do que eu tinha quando conheci o livro, seria meio contraditório, sabe como é?
Mas enfim, como contei no primeiro Diário de leitura, fiquei perdida no começo. A história não é contada de maneira linear, não há apresentações muito formais dos personagens. Tem situações e episódios um pouco surreais deslocados dentro dos capítulos, que aparecem e somem sem explicação. Tem quase 200 páginas de notas de rodapé. E tem muitos, mas muitos personagens.
Agora, depois de conhecer toda a história, posso contar pra vocês um pouquinho com mais segurança, mas é basicamente o que eu sabia antes de ler. Tem dois grandes núcleos de personagens no livro. O primeiro envolve a família Incandenza (James e Avril e os filhos Hal, Mario e Orin) e a Academia de Tênis Enfield, onde Hal estuda e treina tênis, junto com mais um monte de outras crianças e adolescentes. E o segundo núcleo envolve a Casa Ennet, um centro de reabilitação para usuários de drogas. O que tinha me deixado mais curiosa pra ler no início foi o fato de James Incandenza ser um cineasta que tinha feito um filme assim muito espetacular capaz de mudar a vida das pessoas. Como tudo iria se encaixar no livro, ainda não sabia, mas eram muitas páginas e certamente uma hora tudo iria se explicar. E isso é só o que tenho pra contar porque, vou ser sincera, a história que envolve toda essa gente é boa, mas o livro não é só sobre isso.


David Foster Wallace conseguiu descrever as pessoas e a sociedade de um jeito que eu nunca vi em outro lugar. É degradação humana atrás de degradação humana, de todos os tipos e em vários níveis. É um livro sobre como viver e morrer, sobre o relacionamento humano (principalmente o familiar), sobre Entretenimentos, sobre a mídia, sobre vícios e obsessões. E não importa se você não é um adolescente campeão no tênis ou um traficante ou um assassino ou um drogado em reabilitação ou uma locutora misteriosa de um programa de rádio, de uma maneira ou de outra você vai acabar se identificando com eles. Por mais horrorosa que seja a história que DFW escreve sobre esses personagens estranhos, ele simplesmente arrumou um jeito de (nessa diferença absurda entre nós e eles) encontrar coisas comuns, problemas, atitudes, decisões de vida que vamos enfrentar ou que já enfrentamos um dia.
Acho que foi uma das coisas que mais me deixou abalada pelo livro. Tá todo mundo fodido e ninguém escapa das fragilidades da vida. Viver é difícil, conviver também, perceber os problemas e perceber que tem gente que não consegue resolvê-los ou que tem gente que não tem outra opção senão encarar aquilo tudo ou que sabemos como tudo poderia ser melhor, mas simplesmente não temos coragem pra mudar… tá tudo aí nessa história. É difícil ouvir verdades e é difícil notar que somos partes de um sistema que, muitas vezes, não quer deixar a gente sair dele.

Pra mim, o Graça teve 3 estágios. Primeiro, a gente começa a ler e fala ah, que merda é essa, não tô entendo pra onde essa história vai. Quem é essa pessoa? O que é essa sigla? Me dá uma explicaçãozinha! Aí, no segundo estágio, a gente passa a conhecer os personagens e algumas questões centrais e tudo começa a se ligar. Nos chateamos com algumas partes meio longas que continuam sem explicação, mas decidimos Aguentar Firme porque tem alguma coisa ali muito interessante e bizarra. O último estágio é o da Entrega, é pra quem decidiu passar da metade do livro e já tá, como posso dizer, vivendo o livro, falando dele o dia inteiro, pensando nele, indo tomar café da manhã, indo dormir com ele do lado. Não importa se tem pedaço grande, não importa mais nada, importa que Já Era Estou Envolvida e Nunca Mais Vou Conseguir Largar. É um relacionamento mesmo, um casamento.
Claro que isso não é regra, é só o que aconteceu comigo, é só a minha história com a história do livro. Eu tive pesadelos bem ruins por causa dele, chorei num restaurante por causa dele e também dei muita risada, não vou mentir. O humor do DFW é uma coisa incrível. Você começa rindo muito e depois termina pensando que tá rindo pra não chorar. Montanha-russa de emoções. Ou, eu diria, um carrossel.
Como escrevi no início, poderia falar muitas coisas, mas escolhi falar só isso ou então nunca conseguiria terminar de escrever esse texto. Posso garantir pra vocês que Graça Infinita foi um livro que me modificou tanto como leitora (escrevi mais sobre isso no primeiro Diário de leitura) quanto como pessoa, essa mera mortal que sou. E ainda estou meio desestabilizada pra encarar outras leituras, não vou mentir. Mas vamos seguindo. Qualquer hora leio tudo de novo porque o negócio é infinito mesmo.

E, agora, três dicas para os futuros leitores desse livro:
Dica 1: tenha dois marcadores de livro, um para a leitura normal e outro para as notas de rodapé porque você vai ter que ir e voltar muitas vezes e é um saco ficar procurando as páginas.
Dica 2: marque tudo que você achar que é interessante, importante, relevante, bonito, triste durante a leitura. Marque do jeito que você quiser, com post-its, anotações, etc, só não deixe de marcar. Você vai querer voltar, você vai querer relembrar e a gente simplesmente vai esquecendo as coisas com o passar das páginas.
Dica 3: DFW inventa e modifica muitas palavras. Ele fala muitos termos técnicos de medicina, esporte, química e outros. Ele também faz frases longas, às vezes sem pontuação. Às vezes tem páginas e páginas sem um paragrafozinho sequer e isso deixa a leitura bem cansativa. Minha sugestão é: se você não entendeu alguma coisa – principalmente se você for ler em inglês – tente recorrer a algum site de tradução ou a dicionário básico. Caso não encontre respostas, tente não consultar nenhum tipo de wikipedia-infinite-jest porque as chances de você ler algum spoiler ou explicação pra alguma coisa que vai se explicar depois são grandes. Então, interprete e siga com a leitura. Aguentar Firme, é o lema.
(Graça Infinita foi traduzido pelo Caetano W. Galindo e publicado pela Companhia das Letras em 2014. O título original é Infinite Jest e foi publicado pela primeira vez em 1996)